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"Quando estamos sendo atacados, a gente está cumprindo com o nosso papel", afirma jornalista

Roger Pereira se formou em Jornalismo pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) em 2005. Sua carreira começou no "O Estado do Paraná", passando pelas editorias de esportes, tecnologia e política. Também foi correspondente do "Portal Terra", em Curitiba, por seis anos, colunista do jornal "O Paraná", de Cascavel, repórter da "Folha de Londrina" e do "Paraná Portal", e assessor de comunicação da "Associação Médica do Paraná". Atualmente é editor na "Gazeta do Povo", onde está desde junho de 2019. No mesmo jornal, assumiu uma coluna com seu nome, em setembro de 2020. Pela coluna, tem participações semanais na Rádio Capital FM, CBN Londrina e no Bom Dia Paraná, da RPC.

O jornalista de 37 anos e mais de 15 de profissão é a nova personalidade do jornalismo que deu uma entrevista para a série "Fala, Jornalista!". As entrevistas publicadas quinzenalmente no portal da Agência Mediação trazem perspectivas e diferentes visões acerca da profissão. Confira:



Por que o jornalismo?

Minha escolha pelo jornalismo é muito peculiar, e não tem relação nenhuma com o que eu faço hoje. Sou ainda, mas já fui muito mais apaixonado por esportes, não só futebol, mas todo e qualquer esporte. Desde adolescente eu sei a regra do iatismo, golfe ou beisebol. Tentei praticar vários, ainda pratico vários esportes, qualquer coisa que me chamarem para jogar, eu vou, mas não sou bom em nenhum. Pensei que ou faria educação física ou, para ficar perto do esporte, jornalismo, e me especializaria em jornalismo esportivo. Foi esse caminho que segui... Na faculdade, sempre que possível, eu direcionava minhas optativas, os trabalhos de tema livres, tudo para o esporte.


Como migrou do jornalismo esportivo para o político?

Os estágios que eu fiz durante a faculdade foram com esporte, e foi com ele que eu comecei no jornal Estado do Paraná, lá em 2003. Pelo jornal, cobri o Pan de 2007, que foi minha maior experiência até então. Mas surgiu uma vaga no noticiário geral de cidades, e me escolheram. Eu fui, fiquei um tempinho ali. Eu gostava de explorar, era novato, queria passar por todas as áreas. Então, quando o repórter de economia ou política tirava férias, perguntavam se alguém queria cobrir as férias deles e eu cobria. E, assim, depois de cobrir umas quatro férias em política, eu fui percebendo meu gosto e, como eu estava indo bem, me convidaram para assumir a vaga na editoria de política no Estado do Paraná. Em dois anos de formado eu já tinha pulado do esporte para a política. E aí foi. Eu fiz muito pouco esporte depois disso. Fiz um tempo de TV, depois mais recente eu trabalhei no Paraná Portal, no qual você trabalhava em todas as editorias ao mesmo tempo, porque é pouca gente, e aí eu fazia esporte, fazia jogos à noite, plantão de fim de semana e cobri a olimpíada, a do Rio, em 2016. Mas foi muito mais esporádico e conciliado com a política. Eu era fixo na Lava Jato. Aí migrei para a política e hoje não me vejo cobrindo esportes. Participo de especiais como podcasts, programas de discussão de esporte porque sou apaixonado.


Qual papel o jornalismo tem na sociedade atualmente?

Eu ainda acredito muito no jornalismo e acho que vivemos um momento de desconfiança, um momento que se equiparou o grande veículo ao blog de torcedor, blog de militante, se comparou o jornalismo independente, sério e bem feito e que tem informação, a qualquer pessoa que faz seu site, faz seu canal no YouTube e se diz um jornalista independente. A gente está vivendo essa crise, que é uma crise de identidade mesmo. Os blogueiros e youtubers não compreendem que nós, jornalistas, devíamos se transformar nos blogueiros e youtubers, que com a nossa formação, nosso discernimento ético e técnico, nós ocuparíamos esse espaço com mais qualidades. Estamos vivendo esse momento, essa crise. Mas eu acho que, com o tempo (já está acontecendo fora do país e daqui a pouco vai acontecer aqui) com certeza, é a volta da credibilidade, as pessoas vão começar a perceber que foram enganadas, que acreditaram em mentiras por muito tempo, que se informaram em fontes que, na verdade, desinformam, e vão voltar a valorizar o jornalismo sério. Eu acho até que a pandemia foi excelente para o jornalismo. Acho que ela antecipou essa retomada da nossa credibilidade, ficou muito claro que quem dá informação de verdade ou quem faz jogo sujo e de interesse, acredita em mentiras e fakes news e espalha na inocência, mas usa da sua influência pra isso. Então, acho que toda essa discussão sobre cloroquina, ivermectina, uso ou não de máscara e agora da vacina, o pessoal começou a prestar atenção onde tem informação de verdade, e onde tem falcatrua, então, para isso, pelo menos, a pandemia serviu.


Quais as principais mudanças de trabalhar em meio à pandemia?

Para mim, a questão mais delicada é a ausência dos colegas. Muita pauta era melhorada na conversa. Você estava lá, numa redação com 100 pessoas Você ia escrever sobre determinado assunto, certamente alguém já manjava desse assunto, você já encostava nele e perguntava, ou ele mesmo ouvia e já vinha falar, e essa troca de experiências fica limitadíssima no ambiente de home office. E, por questões mais pessoais também (eu tenho dois filhos, que não tiveram aula no ano passado inteiro, então trabalhar em casa, com duas crianças brincando, berrando e pedindo atenção do seu lado, é complicadíssimo). Assim como conheço colegas que sofreram por estar sozinhos, não tinham essa distração, e nem a questão dos filhos atrapalhando, mas tiveram essa questão de ficar numa solidão profunda. O jornalismo é uma profissão que funciona no home office, com exceção a essa questão da convivência com os colegas. Mas optar por isso, a partir do que aconteceu na pandemia, achando que funcionou, achei um equívoco, porque estava todo mundo se sacrificando e numa situação atípica. Outras questões: acho que para o jornalismo foi grave. Empresas de rádio tiveram que manter seus funcionários na ativa e tivemos casos de surtos em alguns veículos, mas eles não tinham pra onde correr, não dá para fazer rádio e TV de casa, igual jornal impresso e internet. E a cobertura da pandemia foi reveladora, foi uma coisa que ajudou muito a concretizar o jornalismo como uma fonte segura de informação, e de devolver a credibilidade que tínhamos perdido. De março até novembro fizemos bons materiais. Infelizmente a situação era trágica, mas o jornalismo se mostrou fundamental.


"A cobertura da pandemia foi reveladora, foi uma coisa que ajudou muito a concretizar o jornalismo como uma fonte segura de informação, e de devolver a credibilidade que tínhamos perdido".


O jornalismo fortalece a democracia?

Sem dúvida. A gente vê que quem não gosta de democracia, ataca o jornalismo o tempo todo, então, é o que deixa bastante claro qual a nossa importância para a democracia. Defendendo a corrente política que quiser defender, todo mundo tem convicção do papel do jornalismo. Tem quem critique mais, no passado, pela condução dos noticiários da Lava Jato, e tem quem louve o passado pela mesma cobertura. Aí agora se inverte: quem criticava a imprensa na Lava Jato, agora a elogia por fiscalizar o atual governo, e quem amava a Rede Globo por causa da cobertura da Lava Jato, hoje chama a Globo de "lixo" e vice-versa, porque, antes, quem chamava eram os petistas. Hoje, quem chama a Globo de "lixo" é por fiscalizar o atual governo. Então, é esse nosso papel, fiscalizar e denunciar o que está errado, quando se faz certo não é notícia, é obrigação, e assim a gente consegue ainda nossa contribuição com a democracia. Formando opinião, a gente consegue escancarar o que está acontecendo no país, no mundo, e é fundamental, visto que quando não existia democracia, existia a censura e a imprensa não podia trabalhar e ainda assim tem gente que até hoje consegue dizer que no tempo do regime militar, não tinha corrupção... Não existia notícia de corrupção porque era proibido noticiar. Então, nós somos fundamentais para a democracia e a democracia é fundamental para o nosso trabalho.


Como o jornalismo pode sobreviver?

Se transformando, sabendo que tem que ocupar outros espaços. Você tem que estar onde as pessoas estão. Não adianta você manter um site centenário e achar que as pessoas vão digitar "www" e mais. Ainda vão querer assinar e pagar para poder entrar nesse site. Isso vai ser um número muito limitado de pessoas. Se você quiser ter influência e ser importante e relevante na sociedade, você tem que estar onde as pessoas estão. Eu acho que a chance do jornalismo sobreviver é essa e eu acho que o jornalismo vai sobreviver e se mostrar bem importante, estamos bem no momento da virada. Daqui para a frente, passando essa loucura dos últimos quatro anos, a gente tá conseguindo mostrar o quão importante é uma informação verídica e com credibilidade.


Porque as Fakes News se transformaram comuns no jornalismo contemporâneo?

As Fakes News não são frutos do jornalismo, são produzidas e divulgadas por quem não é jornalista. O problema é as pessoas conseguirem discernir se quem está passando a informação falsa tem ou não a credibilidade, tem a formação, enfim, se está sustentado por um contrato de trabalho com obrigações éticas, ou se está ali atendendo a determinados interesses e espalhando notícias falsas deliberadamente com algum objetivo. Eu acho que a gente perdeu muito com o fim da obrigatoriedade do diploma, que desregulamentou a profissão. Não por eu entender que essencialmente só quem é formado em jornalismo pode informar, mas do jeito que ficou, sem nada, sem uma regulamentação, sem nenhuma exigência, qualquer pessoa hoje pode fazer qualquer coisa, e a gente tá vendo o que está acontecendo. O STF (Supremo Tribunal Federal), que foi quem derrubou o nosso diploma, é um dos órgãos que mais está sofrendo com a disseminação de Fakes News e com ataques orquestrados e organizados por gente que não é séria e profissional. O ouvinte, leitor ou telespectador tem que conseguir definir a qualidade da empresa, e a empresa de jornalismo não faz Fakes News, porque se fizer, a credibilidade dela acaba, e ela vive da audiência diretamente ou dos anúncios que recebe graças a ter uma boa audiência. Então, não existe Fakes News. Existe linha editorial, que a gente pode concordar ou não concordar. Existe viés da notícia e existe, às vezes, até não cobrir certos assuntos ou cobrir com demasia certos assuntos, pela linha editorial ou pela posição dos interesses do proprietário da empresa. Mas mentira não vai aparecer, porque sabem o estrago que isso faz na credibilidade.


O melhor da profissão:

É você contar histórias e ausência de rotina. Você ter uma história diferente pra contar a cada dia a cada pauta sua, a não ser que seja uma cobertura especial. Você nunca está envolvido o tempo inteiro no mesmo assunto e eu acho que essa inquietude nos move. Acho que todo mundo que escolheu o jornalismo pensa nisso. O melhor da profissão é que um dia você está contando a história de um buraco na rua e no outro dia você está contando o impeachment do presidente da República. Você está falando com pessoas comuns e ouvindo histórias sensacionais, ou está tentando arrancar algum coisa de uma autoridade, com contato direto. Se você sentar e ouvir uma pessoa, você tem uma história, seja ela quem for. Isso que me fascina na profissão.


O pior da profissão:

Eu acho que é a precarização e desvalorização. O salário é baixo, as obrigações são imensas e as condições estão cada vez mais difíceis. Muito pouco jornalista em redação com contrato em CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). As redações estão enxugando cada vez mais e as pessoas estão partindo para trabalhos alternativos. Antes você era jornalista de redação ou assessor de imprensa, ou de veículos independentes. Hoje o leque é gigantesco, porque a gente foi inventando novas funções para a nossa profissão e, aí, muitas dessas funções não são cobertas por uma jornada diária digna ou por um piso salarial. Então, o pior da profissão, na minha visão, é essa desvalorização e desregulamentação, até aquela questão do diploma.


O melhor amigo do jornalista é?

A verdade. Ela que tem que estar sempre do nosso lado. Você representar a verdade e ter compromisso com ela o tempo todo. No dia que você deixar de falar a verdade, sua profissão, sua carreira, acabou. Então, é o nosso melhor amigo e é quem a gente deve agradar sempre. Nunca podemos decepcionar esse amigo, senão acabou.


"No dia que você deixar de falar a verdade, sua profissão, sua carreira, acabou".


Como é ser jornalista em um momento em que a imprensa brasileira sofre tantos ataques?

É natural o ataque. Nós não estamos aqui para agradar ninguém. Se quem nós desagradamos orquestra ataques, é sinal de que nosso trabalho está sendo bem feito. A gente precisa conseguir fazer e mostrar nossa diferença em relação a quem não faz jornalismo, a quem está divulgando informação falsa e mentirosa por outros interesses. Mas eu acho sensacional sofrer ataques e eu contabilizo ataques, repúdios e processos como medida de sucesso. Eu acho que o jornalista está aqui para incomodar. Não somos publicitários para fazer propaganda e falar bem de ninguém. O ataque é natural, se for dentro do limite. Temos que, claro, nos cuidar com violência e abusos, mas não tenho interesse em agradar ninguém e acho que quando a gente está sendo atacado, a gente está cumprindo com o nosso papel.


Por que o jornalismo importa? Ele corre o risco de acabar?

Acho que todas as repostas anteriores, mostram porque o jornalismo importa e eu te garanto que ele não corre o risco de acabar. Ele vai se transformar, vai evoluir muito, aprender com tudo que está acontecendo, mas jamais acabar. A virada está acontecendo. Fora do Brasil já é mais nítido. As pessoas voltaram a compreender a importância de um veículo sério, que tenha compromisso com a ética e com a verdade, independente do ponto de vista que defenda. E isso vai chegar aqui, acho que está chegando. E a pandemia foi um bom exemplo para as pessoas que tem discernimento, temos sempre que pensar assim. Tem, aí, os 30% de brasileiros malucos que a gente não tem como atingir. Já está comprovado isso, que a gente não vai conseguir mudar a cabeça deles e nem mostrar a diferença do nosso trabalho pra quem espalha boato, mas a gente ignora esses e trabalha para 70%. E desses 70%, boa parte já está compreendendo a diferença do que a gente faz e do que eles recebem de informação por vias duvidosas. Nós não vamos acabar, pelo contrário, vamos sair muito fortalecidos, mostrando cada vez mais a nossa importância e a importância para as pessoas de terem uma informação de qualidade e credibilidade.


Como é trabalhar com jornalismo político numa época em que a mídia é tão atacada pelo próprio governo?

Adoro ser atacado, dentro dos limites, sem sofrer violência e ameaças. Ligações para o meu chefe, pedindo a minha cabeça, é uma das medidas que eu uso para avaliar a qualidade do meu trabalho. Essa é nossa função. A gente tem 30% de maluco que vai acreditar no governo, achar que somos todos golpistas e que só existimos para atacá-los porque queremos botar o PT (Partido dos Trabalhadores) de volta ao governo, mas nós estamos falando com os outros 70% da população, que estão compreendo, que estão conseguindo avaliar o governo, tendo votado nele ou não, estão percebendo os equívocos que são cometidos e reavaliando sua postura. Então, deixa que o governo ataque a mídia, é sinal que ela está fazendo seu trabalho.


Um recado para os futuros jornalistas:


Crédito da foto: Roger Pereira/Reprodução.

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