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Envelhecimento populacional cria novas realidades familiares


Autor: Matheus Cavalheiro


Em 2050, a maior parcela da população paranaense deve ser de mulheres com mais de 80 anos. É isso que mostra a projeção mais recente divulgada pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES). A pesquisa contou com esse e outros dados importantes sobre a população idosa no Paraná e foi apresentada em maio, na audiência pública sobre Longevidade e Desafios para Políticas Públicas, da Assembleia Legislativa do Paraná. Os dados são do último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).


Heloisi Girão, de 65 anos, e a mãe, Jurema, de 92, fazem parte desse grupo. Vieram em família, do Rio de Janeiro para Curitiba, após um dos irmãos de Heloisi servir o exército no fim dos anos 1980 e conhecer sua esposa na capital paranaense. Hoje, 35 anos depois, dividem um apartamento em um prédio antigo no coração da cidade, em frente a uma das mais tradicionais praças da região central.


Apesar de manter a mente sempre saudável, gostar de conversar sobre política e adorar filmes de faroeste, dona Jurema apresenta algumas dificuldades de locomoção, devido a um problema na coluna e a uma cegueira parcial. Heloisi explica que a situação passou a exigir ainda mais atenção após a morte do pai, há 14 anos: “A minha mãe sempre foi independente, nunca precisou de nada. Agora que ela já não faz mais nada sozinha, tenho que estar sempre a acompanhando. Sempre vamos juntas passear, ela não vai mais sozinha, sempre está comigo”.


O Estatuto do Idoso determina a idade que uma pessoa passa a ser vista como idosa para fins legais, mas não existe uma regra clara sobre quando uma pessoa com idade avançada deve ser alvo de cuidados específicos. É o que explica o advogado, professor e mestre em Direitos Fundamentais e Democracia, Lucas Rafael de Souza Mano.


Para o Estado, diz o profissional, é uma questão de capacidade civil: “Enquanto a pessoa puder se locomover, fazer as suas coisas e participar da vida civil de forma geral, não é uma questão do Estado. Agora, a partir do momento que começa a sofrer quedas, ter gastos descontrolados, problemas com a vizinhança, aí sim começa a se tornar uma questão de ordem pública”.


A ausência de autonomia acaba sendo o maior transtorno para dona Jurema, que se priva de realizar atividades corriqueiras. Heloisi conta que as duas costumavam se divertir muito juntas: “Íamos muito no cinema, saíamos muito pra jantar. Mas agora que tem o problema da visão da minha mãe, ela não quer que a gente saia muito. Ela já tem vergonha, não vai porque tudo tem que ser cortado. Eu coloco no prato, corto para ela, coloco água, mas ela não se sente bem”, explica a filha. “É dar um atestado de incompetência”, complementa dona Jurema.


O mesmo problema é sentido por Elizete Ogg, 82 anos, que mora com a filha Celize Ogg, de 57, há pouco mais de um mês: “Morar com filho é uma coisa que nunca quis, sempre trabalhei para ficar independente. A gente nunca pensa que vai ter outros tipos de necessidades”.



Dona Elizete morou sozinha em seu apartamento até sofrer uma isquemia. Junto com a família, então, decidiu se mudar.


“Nunca tive inveja de ninguém na minha vida, mas agora quando vejo uma velhinha andando, fazendo a caminhada da manhã, digo ‘que maravilha poder andar, né?”, reflete.


Celize já tem dois filhos adultos e diz ter se preparado com antecedência para receber a mãe em casa. Para ela, o impacto da redução da autonomia para a pessoa idosa é também uma questão geracional: “Ela não se projetou nesse papel, não vivenciou isso numa representação mental a longo prazo, coisa que nós temos oportunidade de fazer, porque os nossos pais são mais longevos”. Celize completa: “Minha mãe tem 82, meu pai tem 85. Eu consigo ver como é que eu vou ficar ou não. Então, eu tenho um prognóstico futuro da situação, eles não tiveram, acho que isso traz uma fragilidade. Assim como a gente faz com os filhos, em troca, lá na frente, você recebe um acolhimento. Acho que é um caminho natural da vida”.


O advogado Lucas Mano explica que, para o Estatuto do Idoso, é primordialmente da família a responsabilidade de manter a vida digna para a pessoa idosa. “Nós não queremos que essa pessoa perca o vínculo familiar, perca a história, questão de ancestralidade. Há uma preocupação em manter o legado dessa família”, salienta Somente em casos em que ficam comprovados abandono ou maus-tratos é que o Estado intervém e, mesmo antes de se responsabilizar diretamente, procura alternativas na comunidade para o acolhimento humanizado: “Ainda antes de jogar para a mão do Estado, procurase uma comunidade ao redor: alguma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) ou comunidade assistencialista ou religiosa que acolha esse idoso”, explica o advogado.


UMA QUESTÃO DE GÊNERO


Se a projeção para uma velhice com melhor qualidade de vida é um privilégio dessa geração, faz parte também de suas novas atribuições o cuidar com as pessoas idosas da família. Isso gera uma nova carga de trabalho que normalmente é depositada sobre as mulheres da família.


Heloisi é a única filha mulher, sendo que um de seus irmãos vive ainda no Rio e o outro, mais novo, mora no mesmo prédio, no centro de Curitiba. O filho ajuda sempre que pode, mas trabalha o dia todo, então Heloisi tenta realizar todas suas tarefas acompanhada de sua mãe. Quando necessário, é dona Jurema que desce ao apartamento do filho, em outro andar: “A mulher dele é a nora que toda sogra quer”, complementa a mãe. O ato de cuidar foi passado de mãe para filha: dona Jurema foi voluntária por 25 anos, no Hospital de Clínicas.


Dona Elizete é também exemplo de cuidado, mesmo depois de aposentada, deu suporte pedagógico para crianças de escolas públicas. De seus quatro filhos, apenas um é homem e acabou se responsabilizando pela parte financeira. “É ele quem cuida da organização bancária da mãe, da poupança, mas quem fica uma doença crônica, situação agravada pela sobrecarga. Para Lucas Mano, as políticas públicas deveriam estar olhando com mais atenção para essas famílias que envelhecem juntas: “É uma uma questão de direito mesmo, de criar uma política pública voltada para a necessidade do idoso. Deveríamos investir mais no incentivo à contratação de pessoas idosas, muitas delas não querem parar de trabalhar, de estar em atividade. E, em muitas delas, os problemas começam a surgir quando param. Trabalhar é bom, porque conecta as pessoas”. Ainda de acordo com o advogado, geralmente parte do município a elaboração de programas voltados especificamente para o público de pessoas idosas. Dona Elizete, por exemplo, já participou de viagens e aulas de inglês proporcionadas pela prefeitura responsável pelo leva e traz de médico, pelos cuidados do dia a dia, somos nós [mulheres]”, ressalta.


“Geralmente, quem assume esse papel ou é a mulher ou é a pessoa LGBTQIPAN+ da família. É importante a gente discutir isso, porque os homens héteros e cisgênero não parecem estar preocupados com isso. É um problema estrutural da nossa sociedade, que ensina que o homem deve única e exclusivamente prover. Não é ensinado a amar, a cuidar”, comenta Lucas Mano. Em uma sociedade que a mulher também provém o lar financeiramente, a sobrecarga é ampliada.


Apesar dos evidentes ajustes na rotina e da preocupação com a sobrecarga das filhas, Elizete e Jurema encontram nelas o carinho e o acolhimento, necessários para uma velhice digna, mas essa pode não ser a realidade de todas as pessoas idosas do Paraná.


URGÊNCIA PARA OS MUNICÍPIOS


De acordo com os levantamentos do IPARDES, apenas em dois municípios paranaenses as pessoas com mais de 60 anos representavam menos de 10% da população em 2022. Na maioria das cidades, o número é entre 10 e 20%. Só em Curitiba, são 311.677 habitantes dentro dessa faixa etária. De acordo com a prefeitura da capital paranaense, estima-se que esse número saltará para mais de 465 mil já em 2030.


Esse crescimento da população idosa faz com que casos como o de Heloisi sejam mais comuns: tanto quem cuida quanto quem é cuidado são consideradas pessoas idosas.


Um estudo da revista Paideia, da Universidade de São Paulo (USP), publicado em 2020, chama isso de dupla vulnerabilidade. É um fenômeno ainda pouco estudado, mas que se torna cada vez mais comum com o envelhecimento da população. A pesquisa, que avaliou 148 participantes, concluiu que há um risco iminente na queda da qualidade de vida, tanto de quem cuida quanto de quem é cuidado, uma vez que 80% dos cuidadores, por exemplo, possuem pelo menos uma doença crônica, situação agravada pela sobrecarga.


Para Lucas Mano, as políticas públicas deveriam estar olhando com mais atenção para essas famílias que envelhecem juntas: “É uma uma questão de direito mesmo, de criar uma política pública voltada para a necessidade do idoso. Deveríamos investir mais no incentivo à contratação de pessoas idosas, muitas delas não querem parar de trabalhar, de estar em atividade. E, em muitas delas, os problemas começam a surgir quando param. Trabalhar é bom, porque conecta as pessoas”.


Ainda de acordo com o advogado, geralmente parte do município a elaboração de programas voltados especificamente para o público de pessoas idosas. Dona Elizete, por exemplo, já participou de viagens e aulas de inglês proporcionadas pela prefeitura de Curitiba. A cidade entrou recentemente para o grupo de Cidades Amigas das Pessoas Idosas, lista organizada pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS/OMS). A lista contempla 922 localidades no continente americano, sendo que mais da metade dos 35 municípios brasileiros da lista são do Paraná.



Ainda assim, o advogado reforça que é preciso cuidado com o título: “Uma vez, não queriam atender pessoas idosas dentro da prefeitura, porque tinha que marcar horário pelo aplicativo, mas os idosos que estavam indo lá não sabiam usar o aplicativo. Eu sou advogado, jovem e não sabia que tinha que usar o aplicativo. E eles não queriam me atender, porque não tinha hora marcada. Se eu que tenho acesso e facilidade para tudo isso não sabia e não conseguia, pense como foi para os idosos”. Além disso, muitas vezes esse atendimento não se aplica à região metropolitana, que é para onde escoa grande parte dos problemas da capital.


Na audiência pública, onde os dados sobre o envelhecimento da população paranaense foram divulgados, discutiu-se justamente o surgimento de novas políticas públicas para o atendimento da pessoa idosa. É de grande importância a participação da população em momentos como esse. Durante a cerimônia, o médico Marcos Cabrera, presidente da Associação Brasileira de Geriatria e Gerontologia, ressalta que “quanto menos desenvolvido o país, mais rápido muda a realidade. E na nossa realidade, envelhecemos muito rápido”.


Mudanças que exigem uma tomada rápida de atitude do poder público e da sociedade, para que nos adaptemos melhor às novas demandas de uma população cada vez mais idosa


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