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Eu em ti: os últimos momentos de Dandara dos Santos

“Quinze de fevereiro de 2017, Dandara foi covardemente espancada com soco, chutes e pauladas. Foi carregada por um carrinho de mão pela rua enquanto era agredida brutalmente até a morte pelo fato de existir”, era o que repetia uma atriz em pleno calçadão da Rua XV. O trecho integra a peça Eu em Ti – Retratos, uma das apresentações de rua do Festival de Curitiba, que trouxe para os palcos a denúncia do assassinato de Dandara dos Santos, 42 anos, espancada e executada a tiros no Bom Jardim, bairro de Fortaleza, no Ceará.


No meio da rua, cinco atores caminhavam em direção ao palco improvisado. Cada um, com uma função diferente. A atriz que ia na frente carregava um boneco híbrido no colo. Outro ator levava o carrinho de mão. O que estava mais atrás carregava uma caixinha. Enquanto o quarto tocava um tambor, a atriz ia repetindo a denúncia do espancamento de Dandara.

Vestidos com um macacão preto, em silêncio, os atores se revezavam para dar vida a uma boneca que representava a cearense. Em frente à platéia, que se acomodava em cada espaço que tinha, os últimos momentos de vida de Dandara era representada. Os corpos dos atores se encaixavam no fantoche em uma missão nobre e dolorosa.





A dor da travesti era representada nos gestos, no pedido de socorro em silêncio, na agonia transmitida pelo olhar. Enquanto Dandara, já quase sem vida, ia passando em frente das pessoas, ela entregava um monóculo que continha uma foto real de Dandara seminua e ferida. Um flagrante do que aconteceu.

Enquanto a foto era observada, outro integrante oferecia à platéia fones de ouvido para que ouvissem, em áudio, o depoimento emocionado da mãe da travesti. No relato ela conta como encontrou a filha. Na mesma gravação, uma mostra do que Dandara viveu, os gritos dos agressores enquanto a espancavam, os gemidos quase já sem forças de Dandara. O trecho foi tirado do vídeo exposto no YouTube.


As expressões das pessoas se transformavam diante da barbárie que ouviam. Era impossível controlar o choro. Quem não conhecia a história ficavam perplexos com tanta brutalidade. Depois que Dandara morre, um pano colorido, que representa as cores LGBTI, é colocado em cima do corpo. Ela é colocada no carrinho de mão.

O choro das pessoas aumenta. Os cinco atores ficam em pé em um instante de silêncio. Aos poucos um a um vai até o carrinho e joga um pouco de areia encima do corpo de Dandara, em forma de homenagem. No final, os dados de quantos travestis morrem por dia e nada é feito, são ditos ao público.


A atriz Cíntia Fer conta que a escolha por transmitir o áudio pelo celular foi uma forma de aproximar as pessoas ao cenário real do assassinato. “A cena do espancamento de Dandara foi exposto em uma rede social, não queríamos mudar a forma como o caso aconteceu”, diz.


A intenção da peça é documentar o que aconteceu e lembrar que o Brasil é o que mais mata travesti e homossexuais no mundo. A homenagem teve fim, mas Dandara dos Santos ficará guardada nos corações de muitos que assistiram à peça. Pois um dos objetivos do espetáculo é: não esquecer Dandara.

Texto e fotos: Ivone Souza

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