Eles têm fome de quê?
- mediacaouninter2
- 24 de jun.
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Por: Patrícia Gaudêncio

Segundo o Censo de População de Rua 2022, o número de pessoas em situação de rua (PSR) na capital fluminense subiu 8,5% em relação a 2020. O estudo, que visa aprimorar políticas públicas, indica que 43% das PSR estão desabrigados devido a conflitos familiares, 22% por alcoolismo e/ou uso de drogas e 13% por desemprego, o que mostra que a carência não é somente material.
O Serviço Social atua na renovação dos vínculos familiares e comunitários, é o que destaca a assistente social Priscila Alessandra de Camargo, de 33 anos, especializada em Saúde Mental. “A pessoa em situação de rua se desvincula do restante da sociedade. É preciso tratar a família também, afinal, ela adoece junto e os casos de superação perpassam o reencontro com os famíliares. Sozinho é muito mais difícil sair dessa condição”, salienta Camargo, que é voluntária em projetos sociais na cidade do Rio. A profissional ressalta que, ainda hoje, as políticas públicas são fragilizadas e esbarram em burocracias que comprometem a eficácia na superação dessa realidade. “Não se trabalha a raiz do problema. Apagam-se alguns incêndios momentâneos, mas toda essa situação é muito complexa”, analisa.
Um exemplo de política pública nacional é o Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP). Criado em 2009, está distribuído em 154 municípios, com serviços como banho, refeição, lavanderia, sanitário, emissão de documentos e apoio psicossocial. No entanto, diante do aumento da PSR no Brasil, os Centros POPs alcançam um volume aquém do necessário. Camargo aponta que, na cidade do Rio, faltam profissionais para atender à grande demanda e revela que “até mesmo a infraestrutura de alguns centros estão precárias”.
Contudo, a Prefeitura do Rio entregou em dezembro de 2023 o programa Seguir em Frente, com um novo plano de ação. De acordo com o superintendente de Saúde Mental da cidade, Hugo Fagundes, o atendimento à PSR deve começar pela saúde. “É um tratamento contínuo que passa pela construção de projetos de vida e que sejam mais estruturados”, diz. A Prefeitura informa ter atendido 840 pessoas já no primeiro mês da ação.
Para além de práticas assistencialistas, impulsionadas por, organizações sociais, que proveem alimentos e roupas à PSR, é dever do Estado viabilizar os direitos dos cidadãos. Nas ruas, além de privado de toda condição material, o indivíduo está sujeito a diversas experiências transgressoras. É percebido como ameaça à ordem públicas e, quando não é invisibilizado, é visto como “vagabundo” e/ou criminoso.
PROSA E POESIA QUE ALIMENTAM A ALMA
No centro do Rio, o Instituto Carlos Chagas, entidade sem fins lucrativos, lançou em 2022 o projeto Menina Moça Mulher para atender mulheres em situação de vulnerabilidade social. A organização viabiliza acesso a médicos, psicólogos, advogados e assistentes sociais. O projeto projeto atua também na capacitação dessas mulheres.
O escritor Léo Motta é hoje embaixador da ação. Exdependente químico, viveu por seis meses em situação de rua. Motta abraçou o voluntariado para ajudar pessoas que enfrentam situações tais quais ele enfrentou. “Além de levar o alimento e uma água gelada, quero levar amor para essas pessoas”, enfatiza.
O profissional criou a oficina Poesia que Liberta para mulheres que hoje vivem em abrigos públicos. A proposta é a construção coletiva de poesias, além de acesso a produções literárias e visitas a espaços históricos da cidade. Reformou uma geladeira que estava em desuso e fez dela a Geladeira Cultural, onde guarda livros que ficam disponíveis para consumo dos frequentadores do Instituto, pois acredita que o livro tem o poder de alimentar a alma.
O escritor vê seu trabalho como uma chance de mostrar a essas pessoas que é possível mudar a própria realidade. “Quem está na rua pode superar essa situação e eu sou um exemplo disso. Comecei publicando as minhas histórias em uma rede social e, em uma semana, alcancei 30 mil seguidores. Aí nasceu a ideia do primeiro livro”, conta orgulhoso. Motta promoveu o primeiro sarau da oficina no final de 2023.
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