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Amanda Zanluca

A reportagem se faz na rua, afirma o jornalista Rafael Moro Martins

Rafael Moro Martins é formado em jornalismo pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), e tem passagem pelos maiores veículos de comunicação do país, como Revista Piauí, Valor Econômico, UOL, Agência Pública e Folha de S. Paulo. Moro é paulista, ex-morador de Curitiba e atualmente está estabelecido em Brasília, onde é contribuinte no The Intercept Brasil.


Com uma larga experiência na cobertura da Lava Jato para vários veículos nacionais, Moro é um dos principais responsáveis pela edição da "Vaza Jato", que revelou uma série de mensagens trocadas entre os procuradores da Força Tarefa de Curitiba, PGR e policias federais.


Rafael Moro Martins é a nona personalidade do jornalismo entrevistada no "Fala, Jornalista!". Já participaram da série publicada quinzenalmente no portal da Agência Mediação grandes nomes do jornalismo paranaense como Amanda Audi, Daiane Andrade e Wilson Soler.


Foto: Amanda Zanluca


Por que o jornalismo?

Pois a gente vive em uma democracia e a democracia é importante. E todo o poder, seja ele político, econômico, privado, judicial, policial, entre outros, precisam ser escrutinados e fiscalizados para andar na linha. O jornalismo tem esse papel. Na verdade, é só para isso que o jornalismo existe, na minha opinião.


Antes e depois do jornalismo: como a profissão te transformou?

Difícil. Não sei dizer. Eu acho que a gente vai mudando ao longo da vida, e isso é legal. A experiência acrescenta, você fica mais criterioso, mas não sei se a profissão me transformou, ou ainda não sei dizer como ela me transformou. Certamente a profissão define muito a gente, mas eu não saberia dizer exatamente em quê precisamente.


Qual o desafio das faculdades de jornalismo hoje?

Tenho que confessar que eu acho que o curso em jornalismo não é necessário para que a pessoa seja jornalista. Um exemplo é que eu tenho um amigo que fiz em Brasília, e ele era repórter da Folha. Ele também já fez algumas colaborações com o Intercept. É formado em matemática, pós-graduado em filosofia e um dos melhores repórteres que eu conheci nos últimos tempos. Diante disso, acho que até aumenta o desafio dos estudantes de jornalismo e das faculdades. Pois a profissão de modo geral carece muito de bagagem teórica, e na teoria eu percebo nas faculdades uma grande vontade de fazer atividades práticas quando deveria se perder mais tempo na formação teórica dos jornalistas. Porque a prática do jornalismo é tão simples, você aprende ela no dia a dia.


O melhor da profissão:

A reportagem, sem dúvidas. Ela é a parte nobre do jornalismo, você buscar a informação, contar histórias. E é um privilégio, uma sorte você trabalhar num veículo como o Intercept. Somos um portal de reportagem. Então nós fazemos reportagens longas que levam tempo, e tem um processo de edição que é bem rigoroso. Mas sem dúvidas o melhor da profissão é a reportagem.


O pior da profissão:

Acho que o jornalismo malfeito é sempre um problema. Eu ouvi de um jornalista polonês, -a Polônia tem um governo de extrema direita muito parecido com o nosso-, que hoje é um absurdo que um jornalista ache que ele pode só ouvir os dois lados de uma história. Temos que dizer para o leitor onde está a coisa certa. E quando o jornalista acha que basta meramente mostrar as informações, as versões de um fato e deixar que o leitor forme a sua opinião, não cabe mais nesse mundo distópico que vivemos hoje. Nós temos a responsabilidade sim de mostrar para o leitor onde que está a verdade. Não meramente quais são as versões ou que diferentes atores o fato tem.


Quem são os teus ídolos no jornalismo?

Eu não tenho ídolos no jornalismo. Na minha vida em geral tenho pessoas que admiro muito, e acho que tem muitos grandes jornalistas no Brasil como o Elio Gaspari, Clóvis Rossi, Jânio de Freitas e Ricardo Kotscho. Os Estados Unidos também é um país com grandes jornalistas, como os responsáveis pelos casos do Watergate.


Qual a melhor reportagem?

Fiz algumas reportagens das quais me orgulho muito. No ano passado, contei uma história de uma provável execução, comandada pela polícia militar em uma favela daqui de Curitiba. E foi legal contar essa história no Intercept, porque a gente diz as coisas com os nomes que elas têm. Então a gente chamou aquilo de execução feita pela polícia. Outra reportagem de que me orgulho foi uma que fiz para a Piaui, que era um perfil do Adriano Bretas.


O que não pode faltar na mochila de um jornalista?

Durante muito tempo fui freelancer aqui em Curitiba, e sempre estava com o meu laptop, celular, e carregador para os dois, porque é inadmissível que você perca uma reportagem por estar sem bateria. Uma bateria extra, caneta e uma garrafa de água. Para quem estranhou eu não ter falado bloco de notas, é porque eu raramente tomo anotações à mão. Eu prefiro escrever pelo computador, por ser mais rápido.


O melhor amigo do jornalista é…

É o espirito critico, principalmente com relação a ele mesmo. A gente nunca pode se deslumbrar com a nossa profissão, e é bem fácil de se deslumbrar. Ela te dá alguma notoriedade e quando você cobre política, você acaba tendo intimidade com políticos e gente poderosa. Mas é preciso ter sempre em mente que essas pessoas querem te usar. Inclusive essa série que a gente fez sobre a “Vaza Jato” é uma lição que fica. Você não pode confiar cegamente na sua fonte, ela está te usando e você tem que ter consciência disso e sempre pensar: Porque esse cara tá me dando essa informação? Então, a gente não pode nunca perder esse espirito crítico em relação ao nosso trabalho.


O jornalismo vai acabar?

Não. Parece que está havendo uma mudança no suporte e não só na questão papel versus internet. Falo isso porque eu nunca trabalhei em mídia eletrônica, sempre com texto. Mas o jornalismo não vai acabar, ele vai sempre existir. A gente quer e precisa ler histórias, precisamos que o poder seja fiscalizado e certamente um mundo sem jornalismo seria bem ruim. Até porque não existe democracia sem o jornalismo.


Por que o jornalismo importa?

O jornalismo bem feito, evidentemente, serve como uma espécie de fiscal. Fiscal do poder, econômico, policial, judicial. Ele ajuda as coisas a andarem na linha, ao denunciar o que não está na linha. E é bom que quem tem poder tenha medo do jornalismo, digo medo no bom sentido. É bom que eles saibam que o jornalista é uma ameaça a algo de errado que estiver acontecendo.


Lugar de jornalista é…

Na rua, sempre! Você tem que ir atrás da história. Não se faz uma boa reportagem pelo telefone e ir até o local onde você fará a matéria é importante. Ajuda a gente a sentir na pele a realidade que aquela pessoa que vamos retratar, enfrenta.


Se não fosse jornalista seria…

Eu fui músico profissional por um tempo da minha vida, e eu gostava muito. Ainda que hoje em dia eu só me veja como jornalista.


Um recado para os futuros jornalistas:

Vocês devem saber que o cenário profissional é bem difícil principalmente para quem quer ser repórter. E eu sei que muita gente desde a faculdade já opta por fazer carreira no mundo corporativo, eu mesmo já trabalhei com assessoria de impressa. Mas não deixem isso desanimar vocês. Quem quer ser jornalista, vá em frente. E também aprendam muito a escrever, tenham um bom texto, se interessem pelas coisas. Tem que aprender o mundo e isso não é apenas estudar. Leiam os clássicos da literatura, leiam livros que estão sendo lançados hoje, vejam filmes bons e vivam. Porque sem viver a gente não consegue contar histórias. Esse é o conselho que dou.

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